PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS (D-E)

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Natureza

O Procedimento de Desenhos-Estórias (D-E) foi introduzido por Walter Trinca, em 1972, como instrumento de investigação clínica da personalidade. Não é um teste psicológico, e sim um meio auxiliar de ampliação do conhecimento da dinâmica psíquica. Ele se constitui pela reunião de processos expressivos-motores (entre os quais se inclui o desenho livre) e processos aperceptivos-dinâmicos (verbalizações temáticas). Inclui, ainda, associações dirigidas do tipo “inquérito”. Dessa junção, surgiu um instrumento que possui características próprias. É um processo que oferece maior amplitude de informações qualitativas, diferenciando-se, pois, dos chamados testes objetivos. Foi idealizado como uma modalidade de comunicação lúdica que, basicamente, deposita confiança na capacidade de o examinando se expressar livremente e atingir o escopo da comunicação, caso lhe sejam dadas condições emocionais de segurança e acolhimento. O examinando pode se utilizar de liberdade e espontaneidade para determinar por si próprio o que lhe for importante a comunicar. Essa condição constitui a diretriz fundamental da técnica, erigida sobre as bases de um mínimo possível de interferências.

A técnica de aplicação é bastante simples, baseando-se num convite que se faz ao examinando de ir se aprofundando em sua vida psíquica, especialmente por meio de desenhos e de associações verbais. Solicita-se que realize seguidamente uma série de cinco desenhos livres (cromáticos ou acromáticos), cada qual sendo estímulo para que conte uma estória, associada livremente logo após a realização de cada desenho. Tendo concluído cada par de desenho-estória, o examinando segue fornecendo esclarecimentos (fase de “inquérito”) e o título. Destina-se a sujeitos de ambos os sexos, que conseguem verbalizar e desenhar, pertencentes a quaisquer níveis mental, sócio-econômico e cultural (vide TRINCA, 2013a e 2013b).

O conjunto dos desenhos livres, das estórias que lhes são associadas, das respostas aos “inquéritos” e dos títulos, embora possa ser considerado uma reunião de elementos diversificados, constitui-se numa estrutura unificada e num processo unitário de comunicação. Presta-se a transmitir mensagens em si mesmas indivisíveis, tendo um sentido de totalidade. Todos os elementos estão interligados, vindo a formar em seu conjunto uma unidade coerente e indissolúvel. Nesse caso, admite-se que os desenhos livres não servem somente para eliciar as estórias, mas são partes de uma comunicação inteiriça, que emprega cinco unidades de produção para atingir seus fins.

Tem sido descritas diversas vantagens para a aplicação do Procedimento de Desenhos-Estórias: a facilidade de aplicação e a abrangência da aplicação clínica e não clínica, a adaptabilidade às necessidades de comunicação inconsciente do examinando, a possibilidade de penetração e desvendamento de conteúdos psíquicos relevantes, a concisão na focalização e no destaque de material clínico significativo e a oportunidade de atendimento a populações carentes, para os quais os métodos tradicionais se tornam pouco realistas.

O Procedimento de Desenhos-Estórias deve ser administrado por profissionais devidamente qualificados. Em sua forma tradicional, ele diz respeito à situação de diagnóstico psicológico individual e corresponde ao encontro bipessoal que se dá entre o examinador e o examinando. Deve ser aplicado logo nos primeiros contatos, por ser um período em que o examinando se acha especialmente mobilizado à comunicação de seus problemas e à solicitação de ajuda. A técnica de aplicação é bastante simples, baseando-se em um convite tácito que se faz ao examinando de se aprofundar em sua vida psíquica.

Finalidades

O Procedimento de Desenhos-Estórias destina-se à investigação e ao conhecimento da dinâmica da personalidade, em especial quando se relacionam aos conteúdos das experiências subjetivas. O D-E pode ser empregado preferencialmente na identificação dos focos conflitivos, assim como dos sistemas mentais determinantes de desajustamentos e comprometimentos emocionais. Ele proporciona meios de expressão dos aspectos inconscientes da personalidade, vindo a auxiliar na elucidação dos conflitos e turbulências.

Fundamentação

O Procedimento de Desenhos-Estórias tem sua fundamentação em teorias e práticas da psicanálise, das técnicas gráfico-temáticas e da entrevista clínica. No essencial, essa fundamentação se sustenta em algumas afirmações principais:

1) Quando a pessoa é colocada em condições de associar livremente, as associações tendem a se dirigir a setores nos quais ela é emocionalmente mais sensível;

2) A pessoa pode revelar seus esforços, disposições, conflitos e perturbações emocionais ao completar ou estruturar uma situação incompleta ou sem estruturação;

3) Diante de estímulos incompletos ou pouco estruturados, há uma tendência natural de o sujeito realizar uma organização pessoal das respostas, desde que para isso tenha liberdade de composição;

4) Quanto menos diretivo e estruturado for o estímulo, maior será a probabilidade do aparecimento de material pessoal significativo;

5) Havendo setting adequado, o sujeito pode, nos contatos iniciais, comunicar os principais problemas, conflitos e distúrbios psíquicos que o levaram a procurar ajuda;

6) No atendimento psicológico, os desenhos e as fantasias aperceptivas são modos preferenciais de comunicação da criança e do adolescente do que a comunicação verbal direta;

7) Quando o sujeito realiza determinada sequência, em repetição, de provas gráficas ou temáticas, ocorre um fator de ativação dos mecanismos e dinamismos da personalidade, alcançando-se maior profundidade e clareza.

A análise e a interpretação do D-E podem ser feitas por livre inspeção do material, em conformidade com as teorias psicológicas consagradas. Têm sido empregados com sucesso os referenciais psicanalíticos, junguianos, cognitivo-comportamentais, fenomenológicos-existenciais e outros. Cada examinador encontrará uma maneira de combinar sua experiência profissional com as manifestações particularizadas em determinada aplicação. Centenas de trabalhos publicados e milhares de aplicações do Procedimento de Desenhos-Estórias no Brasil e no exterior confirmam sua validade clínica, seja sob os referenciais psicanalíticos, seja sob outros referenciais.

Características invariantes:

a) Configuração: a configuração básica consiste em, no máximo, cinco unidades de produção, compostas por desenhos, estórias, “inquéritos” e títulos, estando em conformidade com a materialidade, a ordem e a sequência prescritas;

b) Estruturação: os desenhos e as fantasias aperceptivo-temáticas inscrevem-se como estruturas existentes no interior de determinados settings, manifestando-se como totalidades organizadas;

c) Função unitária: a produção gráfico-verbal é constituída em seu conjunto por uma comunicação unitária e indivisa;

d) Diálogo gráfico-verbal: embora condicionado à liberdade associativa dos examinandos, estabelece-se um diálogo gráfico-verbal entre os participantes.

e) Finalidades: trata-se da obtenção de conhecimento psicológico de natureza consciente e inconsciente a respeito de indivíduos e grupos, para finalidades psicodiagnósticas e psicoterapêuticas.

f) Avaliações: a produção como um todo é analisada segundo as abordagens teóricas que se lhe aplicam.